O Cemitério, a Capela e a Festa – A unificação de duas tradicionais festas religiosas católicas, para a comemoração numa única data, é um fato inusitado. Não passou despercebido e trouxe muitas lembranças e saudades. É verdade que tudo mudou e o tempo passou, mas, a Festa de São Roque sempre foi comemorada separadamente, na capela própria do padroeiro e foi muito prestigiada pelos católicos. Isso ocorreu, desde os tempos mais longínquos, até, mais ou menos, a segunda metade do século passado. Os moradores mais antigos diziam que era uma semana inteira de animação, com rezas, quermesses e leilões, encerrada sempre com missa e procissão. Tudo acontecia no pátio, defronte à capela e nas imediações da antiga rua de “cima”, mas com a demolição da capela, a festa ali não mais foi realizada. Era tão importante no passado, que o folclorista Alceu Maynard de Araújo, na obra “Cultura Popular Brasileira”, página 39, ao se referir às principais festas religiosas fixas do interior paulista, escreveu: “a Festa de São Roque, em Porangaba, a 16 de agosto, com tourada, cateretê e fandango…”.
Antes, no lugar da capela, existiu o primeiro cemitério do povoado, fundado em 1874 e desativado em 1883. Durou apenas nove anos e ali, é que foi edificada a ermida em louvor ao santo. Por que a escolha desse padroeiro? Certamente pela importância do protetor na hierarquia hagiográfica dos santos da Igreja Católica, pela devoção dos pioneiros, pelo significado do orago – “o protetor da peste” e, ainda, pelo fato de ali ter existido um campo santo. Não sabemos a data exata da construção. No Livro do Tombo da Paróquia consta o registro feito em 1905 pelo padre José Gorga, o 1º Vigário: “É situada no lugar denominado cemitério velho, que é o mais elevado da povoação e não se acha, ainda, acabada. Mede 10 metros de comprimento por 6 metros de largura e 8 ½ metros de altura, tendo na frente uma porta larga e duas outras no corpo da igreja. Na frente tem 3 janelas, em uma das quais será colocado o sino. Antônio Antunes Correa, homem de toda confiança e católico a toda prova, na qualidade de zelador, vem trabalhando desinteressadamente pelo adiantamento das obras da capela. A construção é toda de tijolos”.
A capela, mesmo inacabada (parece que nunca chegou a ser concluída inteiramente!), foi utilizada por muitos anos e chegou, até, a centralizar os trabalhos religiosos da paróquia quando a igreja matriz passava por reformas. Ali eram também celebradas missas mensais e feitas reuniões de congregações, irmandades, etc. Teve dias memoráveis e festivos; as tradicionais e inesquecíveis “festas” de São Roque. Nos anos 50 do século passado foi sendo desprezada e chegou a ser demolida, parcialmente, quando o padre utilizou parte do material retirado para construir o Salão Paroquial “Padre Antonio Dragone “. Infelizmente, para o empobrecimento do patrimônio histórico do município, foi demolida no início de 1960, pois o que sobrava estava deteriorado e condenado.
O saudoso Lazinho do Valêncio, indagado sobre a capela e a festa, disse: “Tenho lembrança, sim, pois, quando eu era menino passava por lá quando ia brincar naquele lado da cidade onde foi o cemitério velho. Eram poucas as casas ao redor. Eu não faltava nas festas no Largo de São Roque, que eram alegres, cheia de povo, com barracas de comes e bebes, mascates, jogos, fogos, a banda de música, pau-de-sebo,etc. A casa atrás da capela, bem antes de ser da Família Leme, era do Joaquim Colaço e de dona Francelina. Essa senhora atendia os sitiantes que para cá vinham em grande número nos dias festivos, oferecendo-lhes água e as instalações para outras necessidades. Isso ficou gravado na minha memória. Existiam outras casinhas de sapé, no lado direito, onde está hoje a Santa Casa, e uma delas pertencia ao cidadão conhecido por Pedro Gato, cuja filha era por nós chamada de Maria Gatinha. Ouviu dizer, também, que no começo do século passado, durante os festejos, havia o costume de acender, à noite, a grande fogueira (chegavam a amontoar e queimar dois carros de lenha ) num lado do pátio; era a fogueira do samba, quando o povão dançava o “samba autêntico”, herdado dos escravos, até o dia amanhecer. Sempre havia muita “cachaça” e confusões, mas a polícia entrava em ação. Depois de algum tempo, a fogueira foi proibida pelo padre”.
O poeta porangabense Onozor Pinto da Silva, de saudosa memória, lamentou em verso o fim da capela e recitou: “Toda beleza perdeste, já bem velha e abandonada, sob o tempo deletério, mas será que tu morreste só porque foste plantada sobre o chão de um cemitério?”; “das festas com banda, quermesse e leilão, comemorações com muito amor e afeição, quando o povo participava ativamente para pagar suas promessas feitas por força da crença”; “não há mais as belas cenas, com o tempo tudo passa; no há nem missa, nem novena, não há nem festa, nem graça, pois do São Roque, apenas ficou o nome de praça…”
Hoje, a capela já não existe mais e o “Largo de São Roque” faz parte do passado, da história do cemitério velho, onde os primeiros “riofeienses” foram sepultados. Como dizia o poeta: “ é a evolução natural das coisas!, mas nada impede de clamar que a demolição do templo foi uma perda irreparável para o patrimônio histórico da cidade. Não existem vestígios do primeiro cemitério e da capela, nenhum marco e no lugar destaca-se apenas a bela Praça Francisco Pássaro – uma justa homenagem a um filho ilustre, embora para os moradores mais velhos ainda seja o “Pátio de São Roque”.
Foto: “San Roque”, óleo de Francisco Ribalta (1565-1628). Museu de Belles Arts de València em http://www.cult.gva.es/mbav/data/es06113.htm
Júlio Manoel Domingues
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