Singela, humana ou hilária ? Leia e julgue… !
As câmaras municipais brasileiras são famosas pelas leis curiosas que aprovam e, depois, com a repercussão, o vereador sempre sofre gozação e vira motivo de piada. Aqui, não foi diferente, pois uma lei municipal promulgada em 1967 – que aposentava os “burros” da prefeitura foi também muito criticada e explorada pelos adversários políticos. Como já existiam medidas de proteção – leis e decretos no âmbito federal desde 1934, por que criar uma lei específica para o município e somente proteger a “tropa” oficial ?
A justificativa foi de que as leis ficavam, às vezes, somente no papel e de que ninguém tomava conhecimento, mas os burros da prefeitura seriam protegidos como medida exemplar. Muitos poderiam entender que os legisladores locais já se “preocupavam” com os problemas de maus tratos de animais, mas a lei somente foi criada depois do roubo de um “burro velho” do pasto da prefeitura e que, por maldade do ladrão, virou “mortadela “. Parece brincadeira, mas é a pura realidade. O assunto envolveu pessoas importantes e foi cantado em prosa e verso; o saudoso poeta Onozor Pinto da Silva registrou no livro “Orvalhos e Granizos de Minh’Alma “. Hoje, depois de quase quarenta anos, o cenário é totalmente diferente. Não existem mais burros e nem veículos de tração animal no serviço municipal e, em todo território nacional vigora rígida legislação protecionista de animais, envolvendo o IBAMA, as sociedades protetoras, os órgãos estaduais, municipais, etc, para todos os espécimes da fauna brasileira.
Naquela época, os serviços municipais exigiam a manutenção de uma tropa de muares, sendo os burros usados para puxar as carroças; faziam a coleta de lixo, o transporte de carnes do matadouro aos açougues, etc. Os carroceiros municipais mais lembrados: o Beraldo, o Ermelindo ( Melo ) e o Dito do Amador. Os “burros” exigiam cuidados: alimentação, medicação, descanso, etc, para enfrentar os pesados serviços, mas poucos recebiam o tratamento completo.
O mau trato aos animais perdurou por muitos anos em todo país. Explorados, chicoteados, mal alimentados e, quando não mais serviam para a jornada, eram descartados e abandonados em estradas e logradouros públicos. Seria até um problema cultural que hoje, felizmente, não mais existe. Os carroceiros antigos achavam que as chibatadas eram justificadas, pois os animais, além de preguiçosos, não queriam executar os serviços corretamente. Eram então explorados ao máximo. É inacreditável, mas muita gente pensava assim.
Não faz muito tempo, a judiação imposta aos muares ainda era praticada em municípios importantes pelo descaso dos órgãos de fiscalização. No Rio de Janeiro, por exemplo, o atual prefeito César Maia sancionou a lei que concede “direitos trabalhistas” aos burros e cavalos cariocas. Repercutiu muito e em Brasília surgiram denúncias de que ali os animais eram também explorados. Os burros chegavam a trabalhar horas seguidas, sem nenhum tipo de alimentação. Sofriam nas mãos dos condutores e o fato de serem apreendidos pelo Setor de Apreensão de Animais, quando fugiam ou eram abandonados, não aliviava nada, pois não significava aposentadoria. Se não fossem reclamados, estariam quase sempre condenados e serviriam de comida para os bichos do Parque Zoológico.
No Rio de Janeiro, o projeto que concedeu a cavalos e burros alguns direitos trabalhistas foi de autoria do vereador Cláudio Cavalcanti. Transformado em lei, sancionada pelo prefeito César Maia, estabelece até a jornada de trabalho: das 8 às 12 e das 13 às 17h, com uma hora para almoço. Proíbe, também, que os cavalos trabalhem aos domingos sob pena de punição aos proprietários. A lei mata de inveja os sindicalistas cariocas, pois as éguas e mulas não podem trabalhar se estiverem prenhas. Em caso de doença e ferimentos, o animal deve passar o dia no “capim” e, caso esteja puxando carroça nas ruas, tem que estar calçado ( ferrado ). Em tom de brincadeira, comentavam que “a bicharada carioca reclamou porque não foi concedido o direito de férias e aposentadoria remunerada”. Não deixa de ser hilário.
Finalmente, analisando com isenção a lei aqui aprovada, concluímos que foi corajosa e objetiva a proposta feita pelo vereador da situação, pois o sentimento de preservação animal, no modelo atual, inexistia naquela época. Não deixa de ser uma curiosidade histórica positiva e pioneira da Câmara Municipal de Porangaba. (Foto: Acervo freedigital images, “Curious Donkey, by Evgeni Dinev”).
Júlio Manoel Domingues
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