O jornal “Progresso de Tatuí”, edição de 09/08/1885, noticiava: “ Rio Feio – Comunicam-nos: – Por ter de retirar-se desta localidade, o 1o. Secretário do Club Literário Riofeiense, Rodolfo Cassimiro da Rocha, que exercia as funções de bibliotecário, passou a biblioteca a cargo do sócio Francisco do Amaral Camargo; – A diretoria do club, em sua reunião competente, autorizou a compra de algumas obras”.
A leitura de jornais antigos permite recuperar fatos ligados à historia de uma cidade, de instituições, grupos e pessoas, publicados numa determinada época e que, mesmo assim, ficam esquecidos ou são totalmente ignorados. A surpresa é, às vezes, muito grande e, neste caso, principalmente, levando em conta que o Rio Feio era considerado “boca de sertão” até o final do século 19, então, o impacto é ainda maior. É uma curiosidade…
Ora, uma biblioteca pública num lugarejo, pequeno sítio, com a maioria da população analfabeta, contando com um acervo razoável e de boa qualidade, era um fato curioso, inusitado. Sem nenhuma dúvida, a prática de leitura privilegiava um número diminuto de pessoas que na ânsia de aprimorar os seus conhecimentos, deveria, inclusive, ter outras afinidades para organizar um clube literário. Será que a semente cultural já germinava por aqui? Não seria absurdo afirmar, mas era estranho porque a primeira escola pública (masculina) somente funcionou em 1878 e a escola feminina justamente em 1885. O idealizador da biblioteca permaneceu somente 4 anos por aqui.
Os clubes literários nasceram pela necessidade do enriquecimento intelectual, embora, muitas vezes, os associados buscassem mais um plenário para expor as suas idéias, os princípios filosóficos e doutrinários que defendiam. Os ideais republicanos disseminavam-se por toda parte, a escravidão estava com os dias contados, o descontentamento com o regime monárquico era patente e esses temas constituíam, certamente, o grosso da temática debatida nesses gabinetes.
Sabemos, através de historiadores, que as bibliotecas privadas na época colonial, do século 16 ao 19, foram poucas e a propriedade de livros se concentrava nas mãos de um reduzido número de pessoas, com poucos títulos. Em sua maioria, os donos de bibliotecas eram membros das elites. Aqui, não foi diferente: Rodolfo Cassimiro da Rocha – o professor de primeiras letras; Francisco do Amaral Camargo, um comerciante destacado e membro de família importante da comunidade. Infelizmente, não foi possível obter a data exata da formação do clube e identificar os outros sócios fundadores, já que nada mais encontramos nos jornais da época. A grande notícia, sem dúvida, é que, há mais de cento e vinte anos, já existia clube de leitura por aqui. O professor Rodolfo, foi o segundo mestre de primeiras letras a trabalhar no Rio Feio, chegou em 1883 e já fazia 4 anos que a escola estava inativa. Trabalhou até 1885 e foi muito elogiado pelas autoridades escolares da época. Transferiu-se para a Escola do Rio Bonito (Bofete ). Quanto ao acervo, temos as seguintes informações:
A esta associação os srs. Pereira Guimarães & Cia ofereceram as seguintes obras: Mil e um fantasmas, 2 volumes; Diana de Lis, 1 volume; O capitão Paulo, 1 volume; Rainha Margot, 2 volumes; Os trez mosqueteiros, 3 volumes; Vinte annos depois, 3 volumes; O pirata Relavnai, 1 volume (Alexandre Dumas); Baroneza d´amor, 2 volumes (Joaquim Manoel de Macedo); Recordações de Paris e Londres, 1 volume (Júlio C. Machado); O Brazil e as colônias, 1 volume; Dos mithos religiosos, 1 volume (J.P.Oliveira Martins); Eurico, o presbythero, 1 volume (A. Herculano); O annel mysterioso, 1 volume (Alberto Pimentel); As mil e uma noite, 4 volumes (Mr. Gallande); Um bocadinho de pão, 1 volume (João Mace); O poder da vontade, 1 volume (T.Smeles); Miniaturas, 1 volume ( Antônio C.G. Crespo); A morte de d. João, 1 volume (G. Junqueira); Poesias, 1 volume (João Diniz); Poesias, 1 volume ( A. A.Soares de Passos); A flor de maravilha, 4 volumes (Álvaro Carrillo); Os herdeiros de Caramuru, 2 volumes (Jaguaribe Filho); Armeeiro de Milão, 1 volume (Posson du Terrail); A cabelleira, 1 volume (Franklim Távora); Obras posthumas, 2 volumes (Luiz José Junqueira Freire); Aspásia, 1 volume (João M. P. da Silva); Contos e lendas, 1 volume (Rabello da Silva); A vereda da América, 1 volume (Paulo de Kock); Fastos da igreja, 1 volume (Luiz A R. da Silva); Historia do Brazil, 1 volume (J.P.Xavier Pinheiro); Os noivos, 1 volume (Teixeira de Queiroz), As trez irmãs, 1 volume; Um homem de brios, 1 volume; A bruxa de Monte Cordova, 1 volume; A engeitada, 1 volume; Coração e estomago, 1 volume; Analhema C., 1 volume; Lágrimas abençoadas, 1 volume; História da guerra entre a França e Rússia, 1 volume; Doce casamento, 1 volume; O que fazem mulheres, 1 volume; Onde está a felicidade, 1 volume (C.C.Branco); A promessa sagrada, 2 volumes (Henrique Perez Escricb); O amor da pátria, 1 volume (F.G. de Amorim); A escrava Isaura, 1 volume (Bernardo Guimarães); Um casamento real, 1 volume (D.Torcato Tarrago); Homenagem Posthuma, 1 volume (Duque de Caxias); A mascara vermelha, 1 volume (M.Pinheiro Chagas); O novo Monte Christo, 1 volume; Dramas de Londres, 1 volume; O segredo do resussitado, 1 volume (V.Reinolds). Obras compradas: “Por deliberação da diretoria do Club Literário Riofeiense, foram compradas e recolhidas à biblioteca as seguintes obras: Dramas do Tribunal de Justiça, A Prisão no.7. de Zaccone; A Creoula, O corcunda, de P.Feval; Helena, de M. de Assis; História Pátria, de A. Braziliense; A Volta de Rocambole, Novas Poesias de Rocambole, de Guecoult; Os Dois Zuavos, As Duas Irmãs, de Xavier de Montepim; A Família Joufray, de E.Sue; Os Desherdados, de Gonzalez; A Jangada, de J. Verne; A esposa Martyr, de Escrich; Os Dois Cadáveres, de F.Soulie, e Um Noivo e Duas Noivas, de Macedo”. (Foto: Acervo freedigital photos, “library with books” by Marcus).
Júlio Manoel Domingues
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