ARTIGOS PUBLICADOS

15 de agosto de 2017 - A Primeira Guerra Mundial e Porangaba

A Grande Guerra, como ficou conhecida, começou no dia 28/07/1914. Alastrou-se pela Europa e por outros continentes, reunindo em luta a Alemanha, o Império Austro Húngaro e a Turquia contra os Aliados: Grã-Bretanha, França, Rússia, Itália e, mais tarde (1917), os Estados Unidos. A causa principal foi a rivalidade comercial entre os grandes estados europeus do século 19, ao lado de uma série de alianças que buscavam o equilíbrio militar. Bastou o assassinato do arquiduque Francis Ferdinand, herdeiro do trono da Áustria, em Saravejo, Bósnia, em 28/06/1914, para que o conflito iniciasse. A Alemanha resistiu por quatro anos, mas no dia 11/11/1918, pediu armistício com base na proposta dos “quatorze pontos” do presidente americano Thomas Woodrow Wilson. Oito países latino-americanos participaram da guerra ao lado dos Estados Unidos: Brasil, Cuba, Costa Rica, Guatemala, Haiti, Honduras, Nicarágua e Panamá. Somente o Brasil e Cuba mandaram forças militares e navais. Em outubro de 1917 após o bloqueio submarino total no Atlântico e o torpedeamento de vários navios mercantes brasileiros, foi declarado o estado de guerra, seguindo-se o envio de alguns navios (cruzadores ligeiros e contratorpedeiros) e de um grupo de dez aviadores da aviação naval à Inglaterra. No norte da África, em Dakar, a peste fez 464 vítimas entre os 2000 homens da nossa Divisão Naval. O Brasil enviou também uma missão médica, composta de 100 cirurgiões para auxiliar as Forças Aliadas. Os danos sofridos pelos brasileiros resumiram-se nas mortes, nos afundamentos dos barcos mercantes e das baixas da Divisão Naval: 7 oficiais e 96 praças. O conflito provocou a devastação de extensas áreas na Europa, estimando-se em 15 milhões o número de vítimas, sendo mais de 10 milhões o total de mortos nos campos de batalha. A arrasada Europa ficou em estado de crise, acontecendo, em seguida, sucessivas revoluções políticas e sociais

 

Três combatentes, dois italianos e um alemão, inimigos na guerra, tornaram-se, depois amigos próximos em Porangaba. Imigraram para o Brasil, após o término do conflito, em busca de uma nova terra onde pudessem trabalhar e viver pacificamente. Escolheram Porangaba. Homens íntegros, aqui formaram e criaram suas respeitáveis famílias. Um lutou pela Alemanha e dois pela Itália.

 

Stefan Mayer, filho de João Mayer e Catarina Mayer, nasceu no dia 26/12/1889 em Trostberg, Alemanha. Imigrou para o nosso país e viveu, primeiramente, em Conchas, onde se casou com a brasileira Eugênia Lara Mayer. Em seguida, mudou-se para Porangaba, dedicando-se à lavoura e à indústria. Pessoa empreendedora, alegre, de caráter grandioso, com seu linguajar característico sempre recebia as pessoas com cordialidade. Marcado pela guerra com a mutilação de uma das vistas, chegou até a ficar internado em campo de concentração, mas nunca demonstrou revolta pelo que sofreu. Foi um homem bom, carismático e feliz. Adorava festas e reuniões com seus familiares e amigos. Teve, ainda, importante papel na instalação de luz elétrica em Porangaba (1946), quando apoiou o projeto e cedeu, inclusive, as dependências e os equipamentos de sua indústria para a instalação dos geradores. Seu apoio foi fundamental. Faleceu em Porangaba no dia 22/05/1970; deixou filhos e netos. O “Moinho do Alemão” foi um marco na história industrial de Porangaba e, certamente, uma das mais belas recordações da infância de muitos conterrâneos. Ali, no dia a dia, era comum ver sempre uma criança pedir ao Seu Estevão o saboroso biju de milho, quentinho, nunca negado e na hora preparado pelas farinheiras. A fábrica era marcada pelo barulho envolvente das máquinas que chegava encobrir as vozes dos operários, enquanto o milho era triturado e transformado em quirera, farelo, canjica, fubá, etc., e o arroz beneficiado. Ali trabalharam Benedito Rosa, Nenê Teles, Zé Pequeno, João Lemes, Alípio Pinto, Cornélio Saturnino, José Wagner, Abilinho, Álvaro Lemes, João Luiz, Luiz Lemes, José Juliani e outros. Às farinheiras Cecília, Jorja, Maria Pires, Maria do Zé Pequeno, Virgínia, Ester da Silva, Clediomira do Cesário Neco e outras, que infelizmente não mais lembramos os nomes. Recebam as nossas homenagens pela paciência com que atendiam a criançada.

 

Ângelo Bechelli, filho de Leopoldo Bechelli e Rosa Cassetari, nasceu em 29/08/1897 na Comuna de Pieve Fosciana, Província de Lucca, Itália. Veio para o Brasil, após o término do conflito. Pessoa admirável, exímia – uma espécie de mestre-artesão, agricultor e comerciante. Teve armazém de secos e molhados, padaria e confeitaria. Foi ainda lavrador, pedreiro e carpinteiro, chegando a fabricar carroças, carros, carretas e engenhos. Teve também máquina de beneficiar arroz. Nas horas vagas foi ferreiro, encanador e, até, eletricista. Era comum ser procurado por artífices para solucionar os mais intrincados problemas, fazendo com imenso prazer as explicações e mostrando soluções. Possuía muita habilidade, daí ser chamado pelo poeta Onozor Pinto da Silva de “o homem dos sete instrumentos”. Querido por todos, ao falecer deixou uma grande lacuna na nossa comunidade. Casou-se na Itália com Concheta Bertoncini. Faleceu em Porangaba em 20/03/1957; deixou filhos e netos. O que marcou a personalidade de Ângelo Bechelli foi a simplicidade, pois manteve sempre no anonimato a sua condição de militar de reserva do Exército Italiano e jamais quis usufruir de qualquer tipo de regalia como “herói de guerra”. Foi condecorado pelo Régio Esército Italiano, na qualidade de Capitão Major do XX Battaglione D’Assalto, Distrito de Lucca, com a Croce al Merito di Guerra. Poucos conheciam sua formação militar e sua patente. Em Porangaba era conhecido pelo apelido de “Téamanhã”, que aceitou naturalmente, porque, logo que aqui chegou, a todos cumprimentava com a dita expressão, não importando a hora Transformou-se no “Seu Téamanhã”, mas sempre tratado com muito respeito e consideração.

 

Giocondo Rossi, filho de Enrico Rossi e Teresa Moscardini, nasceu em 28/10/1896, na Comune de Pieve Fosciana, Província de Lucca, Itália. Habilidoso, foi músico, artesão, um empreendedor com tino comercial invejável, destacando-se no cenário comercial do município pela correção e exemplo de vida. Emotivo, sensível, foi o que mais sofreu com a guerra, pois sendo aprisionado pelos alemães, sentiu na pele os maus tratos com seqüelas que perduraram até sua morte. Mesmo assim, fugiu do acampamento e voltou à frente de batalha, onde recebeu a medalha de honra ao mérito por atos de bravura. Ao findar o conflito já possuía a patente de tenente. Casou-se na Itália com a argentina Maria Catarina Cassetari e imigrou para o Brasil, fixando-se em Porangaba. No início trabalhou como pedreiro e se tornou comerciante destacado, chegando a ter bar, padaria, loja de tecidos, armazém de secos e molhados; um dos primeiros a comercializar gasolina por aqui. Foi, também, um dos maiores compradores de algodão e cereais do município. Participou ativamente da vida sócio-cultural, como diretor do Clube Recreativo 21 de Abril e da Corporação Musical Santo Antônio. Chegou a militar na política local, como membro do P.R.P. – Partido Republicano Paulista. Faleceu em Porangaba em 02/02/1948 com 51 anos de idade; deixou filhos. Um fato singular ligou ainda mais o saudoso toscano à Porangaba, possivelmente o recorde de compadrio do casal Rossi, como padrinhos de batismo de 318 crianças e de casamento de 158 casais. Foi grande incentivador da Banda Santo Antônio e, além de participar da diretoria, sempre esteve à frente dos movimentos para socorrer pecuniariamente a associação. Amava a música e, além de acompanhar a montagem das coleções musicais com os maestros, conseguiu partituras de renomados compositores italianos que vieram enriquecer o repertório da banda. A peça sinfônica “Cruz de Honra” era a sua predileta e se tornou marca da Banda Santo Antônio.

 

Foto: “Canadian Scottish, advancing during the Battle of the Canal du Nord, 1918″, de William Rider-Rider em https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=20257172

 

 

Júlio Manoel Domingues

«  VOLTAR

O conteúdo dos links está em formato PDF. Se você não possui o Acrobat Reader,
clique aqui para fazer o download gratuito.