Antigamente, os católicos viviam com mais intensidade essa celebração religiosa. Lembro-me da Semana Santa em Porangaba, na minha infância; havia luto e a sensação de que tudo pairava no “ar”. Parecia que as pessoas, tementes a Deus, participavam das cerimônias religiosas até com certo temor. Naquela época, de luz com lampião, sobrava escuridão e, então, à noite, sempre aparecia alguém que trombava com assombrações, procissão de mortos, mulas sem cabeça, etc. E isso acontecia justamente na “rua de cima”, onde eu morava. Enorme ignorância e, quando anoitecia, as crianças assustadas ficavam espreitando a rua pelas frestas das janelas. A simples passagem de pessoas já as atemorizavam e ficavam por conta das visões noturnas.
Mas os tempos mudaram, começando com própria conduta dos fiéis pelas reformas conciliares. Alteraram-se os costumes e muitos dos rígidos rituais católicos tornaram-se flexíveis, adaptados aos tempos modernos. Muitos nem são mais seguidos. Pode-se dizer que tudo era diferente dos costumes de hoje. Havia um sentimento cristão enraizado no comportamento das pessoas que lamentavam e choravam a morte de Cristo por uma semana. A vida normal do povo dava lugar a um sentimento de tristeza e lamentações e, durante a quaresma, procurava-se jejuar, não se comia carne. A rígida abstinência chegava até ao jejum absoluto para algumas pessoas.
O texto do historiador Souto Maior retrata fielmente o que por aqui também acontecia: “Olhar-se ao espelho, usar batom e mesmo perfume, por serem sinais de vaidade; tomar banho, pelo perigo das tentações à vista do corpo, namorar, cantar, dançar e até assobiar, seriam sinais de uma alegria incompatível com um momento tão triste; embriagar-se nesses dias, seria condenar-se a nunca recuperar o juízo. As velhas beatas com seus longos vestidos e as “filhas-de-Maria vestidas de branco, mangas compridas, golas arredondadas, com seus terços de alvas contas, andavam rua abaixo e rua acima, como se caminhassem sobre nuvens, de tão impregnadas de fé que estavam”.
As casas não eram varridas, o “cinema” não funcionava e os poucos aparelhos de rádio eram desligados. O Clube Recreativo 21 de Abril também fechava. Nada de diversão. Não se ouvia o sino da igreja, somente as matracas. Para temor da criançada, que nada entendia, os altares e imagens da Igreja Matriz eram cobertos com panos roxos. O ambiente se tornava sinistro. Vinham missionários ( capuchinhos ) para as pregações e outros sacramentos. Era, sem dúvida, o ponto alto das comemorações, o desempenho desses arrebatadores de almas que com muita fluência e grande conhecimento das “escrituras” consolavam os paroquianos. Nos eventos, a igreja ficava repleta e com muita gente do lado de fora; as procissões, então, eram concorridas.
Em certos dias da semana aconteciam “confissões”, com grande participação popular. Havia, ainda, a cerimônia do lava-pés e a exposição do Santíssimo, guardado, em turnos, pelas Irmandades e fiéis.Na sexta-feira comemorava-se a Via Sacra, com a inesquecível marcha fúnebre tocada pela Banda Santo Antônio. Era também inconfundível o cântico da “Verônica”, que a todos emocionava. Finalmente, no sábado, a Missa da Aleluia, quando os sinos voltavam a tocar e as imagens e os altares eram despidos de seus panos assustadores. Finalmente, no domingo de páscoa, na madrugada, saía a procissão da ressurreição, vindo depois a Santa Missa, encerrando os trabalhos religiosos. Acontecia, então, a parte profana. Missão cumprida, a cidade voltava à sua vida normal.
Hoje, passadas algumas décadas, vemos que a Semana Santa foi destituída de seus contornos religiosos e se modernizou. O pior é que poucos sabem o verdadeiro sentido da celebração. Para muitos é, simplesmente, mais um feriado prolongado… !
A história nos conta: “ No Século IV, algumas comunidades cristãs passaram a vivenciar a paixão, a morte e a ressurreição, o que exigia três dias de celebrações, consagrados à lembrança dos últimos dias de vida terrena de Cristo. Foi em Jerusalém é que deu início a essa tradição. Assim a sexta-feira comemora a morte de Jesus Cristo, o sábado era o dia de luto e o domingo a festa da ressurreição. Os cristãos celebraram pela primeira vez a Semana Santa em 1.682 e, desde então, passou a ser festejada em oito dias”.
(Foto: Acervo freedigital photos, “crucifices” by Africa).
Júlio Manoel Domingues
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