ARTIGOS PUBLICADOS

6 de janeiro de 2016 - Influência do Linguajar Gaúcho no Modo de Falar do Porangabense

Sempre ouvi dizer que o modo de falar do porangabense era diferenciado em relação aos demais povos  da região de Tatuhy  (a cidade mãe); que a “fala caipira” dos “Bellavistenses” era cantada, não tanto carregada nos “erres” e  “eles”, etc. Confesso que nunca dei importância, pois sempre gostei do nosso modo de falar. que nos identificava e enchia de orgulho, mas, em 2003, visitando o Rio Grande do Sul, junto com minha saudosa esposa Eliana, na cidade de Canela essa curiosidade ressurgiu. Estávamos num restaurante típico e conversávamos com algumas pessoas da localidade, quando ouvimos a curiosa pergunta: “- de que região do Rio Grande vocês são?”. Surpreso, respondi: “- nós não somos gaúchos; somos paulistas”. Então, a pessoa  falou: “vocês falam que nem nós”. Expliquei que éramos do interior do estado de São Paulo, de uma pequena cidade por onde passavam tropeiros gaúchos que se dirigiam ao oeste paulista com suas  tropas de mulas, há mais de um século, nada mais. Surpreso, me lembrei  da  história ouvida na infância; afinal, já passava tanto tempo e, então, conclui que  era preciso investigar.

 

Pois bem, a influência gaúcha na maneira de falar dos “caipiras do Rio Feio” existiu e foi intensa até as primeiras décadas do século XX. Como o povo daqui vivia praticamente isolado, (éramos um célula isolada no meio do caminho para o desconhecido sertão paulista), foi notória a influência dos viajantes sulistas que costumeiramente passavam por aqui comercializando muares, mexendo com os usos e costumes. Muitas famílias gaúchas chegaram, inclusive, a se fixar por aqui. Com o passar do tempo, muita coisa ainda ficou pelo caminho pelo fato dessa influência ter sido muito forte, principalmente, na zona rural, junto aos conterrâneos nascidos nos primeiros anos do século passado. Logo, o intercâmbio que existiu entre os tropeiros e, principalmente, o fato do bairro do Rio Feio ser ponto alternativo de passagem e de pouso de tropas, que rumavam para o oeste paulista, vice-versa, possibilitou que muitos usos e costumes fossem aos poucos se incorporando aos hábitos e no linguajar dos moradores daqui.

 

É uma questão complexa, que envolve vários fatores. De acordo com Marli Quadros Leite, linguista da USP, “Uma das explicações possíveis, é o isolamento das comunidades no espaço e no tempo. Assim, para descobrir as origens de um determinado sotaque é preciso estudar tanto a história da população nativa da região quanto das pessoas que migraram para lá. Isso ajuda a entender por que, no Brasil, encontram-se tantas formas diferentes de falar o mesmo idioma. Só os colonizadores portugueses trouxeram em sua bagagem uma boa quantidade de diferenças lingüísticas: um bando vinha de Lisboa, outro do Porto, um terceiro do Alentejo. Como se não bastasse, os índios que já viviam aqui falavam inúmeras línguas. Mais tarde, chegaram os africanos e depois vieram imigrantes – e até colonizadores – de outros países europeus. Cada região do país foi assimilando diferentes elementos dessas fontes, resultando nos diferentes sotaques e dialetos. Mesmo assim, nunca nos transformamos numa Torre de Babel. Apesar da nossa imensa diversidade lingüística, há certa unidade que permite a todos se entenderem e terem a certeza de que falam o português do Brasil”. (Fonte: “Por que o sotaque muda conforme a região?”  em http://mundoestranho.abril.com.br/materia/por-que-o-sotaque-muda-conforme-a-regiao ).

 

Os contatos freqüentes facilitaram a assimilação. Alguns “belavistenses”, que negociavam com muares, chegavam a se deslocar para o sul, em viagens que duravam meses, recebendo, assim,  diretamente, a influência da cultura gaúcha. Não chegamos ao exagero de adotar o “chimarrão”, mas somamos ao nosso linguajar inúmeras expressões e palavras usadas pelos gaúchos e que, até há pouco tempo, ainda eram ouvidas por aqui, principalmente na zona rural: entanguido, trelento, guri, escarrapachar, barbaridade,  arreganhado, ceata, cancha, bruaca, reiúno, no mais, que esperança!, como mutuca no lombo de mula!, estralando, chimango, ché (variação da Interjeição chê),  pingo, ansiado, tá loco, bulha (buia), etc.

 

Interjeições gaúchas que ainda são ouvidas por aqui: a) Puxa!, Nossa!, Que coisa! – é primariamente, uma interjeição de espanto, mas pode ter outros usos, como, por exemplo, mostrar hesitação ao iniciar uma frase. b) Mas que barbaridade!, Que coisa! – é uma interjeição que indica indignação. c) Capaz? = É mesmo?,  Imagina! – indica espanto e dúvida ao mesmo tempo quanto ao que a pessoa acabou de ouvir. d) Bem capaz!  Com uma entonação típica.significa: “de jeito nenhum”.

 

No costume de se vestir, foram adotadas facilmente a “capa poncho” e a “bombacha”, peças características do vestuário campeiro. Lembramos do saudoso fazendeiro e tropeiro Silvério de Oliveira, com sua impecável bombacha, chapéu, botas, esporas gaúchas e o lenço encarnado. O homem do “Recanto Tranquilo”, como era chamado  e que,  em tom de brincadeira, dizia“ – falam por aí que eu sou rico e, na verdade, eu sou mesmo… com um olhar malicioso e um sorriso irônico”; deixou , muitas  saudades.

 

• Além de  famílias sulistas que aqui se fixaram, outro fato interessante, ligado aos riograndenses do sul, é que tivemos dois gaúchos ocupando a Prefeitura Municipal de Porangaba: Dassás Vieira de Camargo, de Santana do Livramento, o primeiro prefeito e Honorato da Cruz Falkenback  (o Guri), de Passo Fundo. Foram pessoas atuantes, importantes na comunidade, casados com porangabenses e que fazem parte da história de nossa terra.

Foto: “Los gauchos”de José María Pérez Nuñez em https://www.flickr.com/photos/jmpznz/3032772872

 

 

Júlio Manoel Domingues

«  VOLTAR

O conteúdo dos links está em formato PDF. Se você não possui o Acrobat Reader,
clique aqui para fazer o download gratuito.