“No Brasil, a difusão do curso normal para moças, no final do século XIX, representou um divisor de águas na história da educação feminina e no processo de feminização do magistério público. Foi um enorme avanço. Durante muito tempo, as mulheres que exerciam a função docente eram chamadas de professoras sem formação, sem magistério e, consequentemente, eram mal pagas e até injustiçadas, Conhecidas como professoras leigas, trabalhavam na zona rural ( em sítios e fazendas ), em áreas inóspitas e, também nas pequenas comunidades. Isso acontecia pela falta de professoras formadas. Essas educadoras, mesmo com a falta de apoio, se destacavam pela assiduidade e seriedade; foram verdadeiras heroínas. Desenvolveram importante serviço na área educacional. Aconteceu, intensamente, até, mais ou menos, meados do século XX, embora existam até hoje muitas professoras leigas lecionando em áreas menos desenvolvidas do território nacional. (Fonte: Anamaria G.B de Freitas em “Vestidas de Azul e Branco – Um Estudo sobre as Representações de Ex-Normalistas”, Editora Npged, 2003)
Iracema Isabel Biagioni, filha de Luigi Biagioni e de dona Maria Bechelli Biagioni, italianos, foi uma delas. Aqui nasceu em 08/06/1912 e, muito cedo, mostrou vocação para o ensino, sendo, inclusive, muito incentivada pelo professor Nicanor de Arruda, diretor das Escolas Agrupadas de Porangaba. Chegou até a montar uma “sala de aula” na casa de seus pais, onde brincava de “dar aula” para as crianças mais jovens. Tinha somente 13 anos. Então, começou ali a desenhar uma brilhante carreira que depois foi exercida com dedicação e amor. Chegou a estudar na Escola Normal de Tietê, mas, por problema de saúde, abandonou o curso e retornou à terra natal.
Autodidata e determinada, tornou-se professora leiga e iniciou a carreira na área municipal, onde ganhou o respeito e admiração dos pais e dos alunos. Chegou a trabalhar, primeiro, como professora substituta nas Escolas Agrupadas. Em seguida, passou a lecionar na escola do bairro da Serrinha, ainda como substituta. Trabalhou por mais de trinta anos na zona rural. Na gestão do prefeito Joaquim da Costa Machado, no ano de 1934, foi designada para a escola do bairro dos Generosos, mas, no ano seguinte, transferiu-se para a escola do bairro da Serrinha, onde permaneceu por sete anos. Em seguida, lecionou ainda em outras escolas isoladas do município: na Fazenda São Martinho, no bairro dos Fogaças, na escola municipal da cidade, na escola do bairro do Rio Bonito, de onde, novamente, foi transferida para a escola da Serrinha, onde permaneceu até se aposentar.
Dona Iracema foi, sem dúvida, a professora leiga de primeiras letras que mais se destacou no município. Seu trabalho surpreendia, pois, mesmo não tendo vínculo com instituições de ensino para aprimorar, reciclar e atualizar as novas técnicas pedagógicas, ela já utilizava métodos educacionais avançados à época. Acrescente-se a tudo isso as dificuldades vencidas, pois praticamente sem recursos para introduzir inovações nas escolas rurais por onde passou, sempre mostrou criatividade e iniciativa no desempenho de suas funções. Foi pioneira. Gostava de alfabetizar, optando pelas primeiras séries e, dentre as atividades obrigatórias, mantinha na escola, com a ativa participação dos alunos, o jornal semanal, a horta e até uma pequena farmácia. Foi uma guerreira, pois, além de lecionar, também ajudava os pais nas atividades comerciais na cidade, reservando ainda tempo para o ensino religioso na paróquia local, pois era uma das catequistas. Costumava dizer que preparava os seus alunos da escola isolada para a escola agrupada e que todos eles, sem exceção, eram encaminhados aos professores normalistas já familiarizados com as cartilhas, tabuadas, ditados, sabatinas e, principalmente, sabendo ler e escrever. Foi uma pessoa diferenciada, admirável. Viveu praticamente toda a vida na terra natal, na companhia de seus familiares. Teve uma vida bastante feliz. Solteira, faleceu no dia 04/09/1998, sendo sepultada no Cemitério Municipal de Porangaba. Nosso respeito, nossa homenagem e nossa saudade.
Foto: “Book, Read, Spine and Paper” de Chris Lawton em https://unsplash.com/photos/9T346Ij4kGk
Júlio Manoel Domingues
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