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1 de agosto de 2017 - Meu Pai. Horácio Manoel Domingues (1913-2000)

Já li crônicas em homenagem a muitos pais, escritas por pessoas diferentes, todas elogiosas, originais; gostei, mas não me entusiasmei. São textos bem escritos, elaborados e que somente enaltecem as qualidades dos homenageados, nada mais. É um procedimento automático e sempre achei que faltava alguma coisa. Então, resolvi falar de meu pai. Prontamente, vieram as mesmas dificuldades; e o que eu deveria falar de meu pai? Somente destacar as suas qualidades e esquecer possíveis deméritos, o que seria correto, mas eu queira mais! Embora, para mim, ele fosse uma pessoa exemplar, o meu ídolo, não poderia recair nos mesmos erros! Não permitiria que isso acontecesse. Conhecia as suas fraquezas e seus rompantes. Meu pai, na verdade, era uma pessoa comum, um homem batalhador e honesto, bonito, comunicativo, bom, dedicado à familia, aos filhos e, principalmente, à esposa. Destacava-se pelo trabalho, que colocava sempre em primeiro lugar. Circunspecto, mostrava muitas vezes seu lado peculiar, não gostava de ser contrariado, sua palavra era ordem. Bastava o seu “olhar” e já sabíamos o que ele queria. Com o tempo, comecei a entendê-lo melhor.

 

Era o quinto filho do tradicional casal Bento Manoel Domingues e Clementina Camerlingo – o pai descendente de caboclos paulista( os Cândidos); a mãe, minha saudosa avó, era italiana de Nápoles; da “famiglia Camerlingo”, de Giugliano in Campania. Seus avós paternos: Manoel Cândido Silvestre e Maria Cândida; maternos: Luigi Camerlingo (Mestre de obras) e Maria Grácia Amadore (italianos). O avô materno veio à Bela Vista para construir o prédio da Igreja matriz, quando minha avó conheceu o meu avô. Nasceu no dia 20 de maio de 1913 no Distrito de Bela Vista de Tatuí e foi casado com Irma Nunes Domingues, filha de Antônio Nunes da Silva e Gertrudes Zulmira da Conceição. Na infância, no ambiente familiar, era o “ruano”, um menino loiro, “branquelo”, forte, briguento, bem diferente dos irmãos que eram morenos e pacatos. Segundo minha avó, defendia os seus familiares com “unhas e dentes” e começou a trabalhar muito cedo. Adquiriu responsabilidades, mas deu muito trabalho; era às vezes muito teimoso, impulsivo. Muito cedo passou a ajudar os pais nos afazeres rotineiros, no comércio e na lavoura e nunca mais parou. Gostava de trabalhar. Estudou na escola pública local e, também, em Pereiras, pois naquele tempo funcionavam somente três anos de aprendizado na escola primária local e o quarto ano teve que fazer noutra cidade. Alfabetizado, fez parte da 1ª Turma da Associação dos Escoteiros de Porangaba. Queria ser caminhoneiro e aprendeu a dirigir muito cedo. Em sociedade com o irmão Luiz, montou um armazém de secos e molhados para atender a população local. Adquiriram um caminhão para os serviços de transportes e funcionavam como compradores atacadistas do ramo de cereais (arroz, feijão e milho) e algodão, para revender em centros maiores. Passaram, então, a financiar os fregueses – lavradores, sitiantes e produtores rurais, quando forneciam os suprimentos necessários para pagamento nas colheitas, etc. É bom lembrar que na época não existia banco em Porangaba e os negócios eram feitos com base na palavra dada, havia seriedade e confiança.

 

Dedicou-se as atividades agro-pecuárias, conforme registro n.º 46859/48 no Ministério da Agricultura, como produtor de cereais, algodão, suinocultor e criador de gado bovino. Entre 1945 a 1950 desenvolveu na chácara São Luiz, com o apoio técnico da Estação Experimental da Secretaria da Agricultura do Estado de São Paulo ( Tatuí ), diversos projetos agrícolas, pilotos, de cultivo de cereais (milho híbrido) e na preparação do solo ( curvas de nível ) para combater a erosão e melhorar o escoamento de águas pluviais. Obteve sucesso tanto na produtividade como na melhoria do plantio. Foi um dos pioneiros na região. Seu irmão Luiz foi nomeado prefeito de Porangaba pela Interventoria Estadual, logo após o término da 2ª. Guerra Mundial e governou o município no período de 1945/1947. Foi o prefeito que conseguiu instalar a luz elétrica e o serviço telefônico no município, que eram as maiores reivindicações do povo porangabense à época.

 

Como trabalhavam no comércio, conheciam detalhadamente os problemas locais e participando de movimentos políticos, faziam parte da oposição. Formaram um grupo político conhecido como – o “Lado dos Cândidos”, para enfrentar o destemido chefe político gaúcho Dassás Vieira de Camargo, fruto do coronelismo que sempre predominou e comandou o quadro político de Porangaba. Nunca conseguiram ganhar uma única eleição, já que os coronéis eram praticamente imbatíveis, mas marcaram presença. Com o passar do tempo, já destacados, visando o progresso e o crescimento do município, foram procurados para celebrar um acordo político com a situação. Houve, na verdade, um “racha”, que desagradou alguns companheiros que sempre se mostravam intransigentes e não queriam nenhum tipo de entendimento. Mesmo assim, o acerto foi firmado e meu pai saiu candidato a vice-prefeito na chapa encabeçada pelo Mário Antonio Nogueira; foram os vencedores. Chegaram a ser reeleitos por mais de um período; sendo vice-prefeito no período de 1956/1963.Foi, sem dúvida, uma época bastante profícua para o município com benfeitorias e melhoramentos significativos, como a instalação da água encanada, a implantação dos serviços complementares de água e esgoto, a melhoria dos serviços de telefonia, a construção de predios públicos (casa da agricultura, centro de saúde, prédio da delegacia de polícia, predio do ginásio estadual), a construção de estradas vicinais, a abertura da Rodovia Castelo Branco, a criação e construção do prédio da Santa Casa de Misericória, etc.

 

Meu pai sempre teve participação ativa na vida social do município. Foi sócio e diretor da Corporação Musical Santo Antônio, do Esporte Clube Porangabense, da Corporação Musical Santa Cecília, do Clube Recreativo 7 de Setembro, do Clube Recreativo 21 de Abril, da Santa Casa de Misericórdia. Sempre ativo, lutou pelo crescimento e desenvolvimento da terra natal.

 

Já nos anos 50 a sociedade foi desfeita amigavelmente, quando o irmão Luiz ingressou no serviço público e mudou-se para Tatuí e então, fizeram a divisão dos bens adquiridos. O meu pai continuou trabalhando na lavoura (plantando, milho e feijão), comprando ainda cereais e, principalmente, algodão, além de adquirir um caminhão moderno, mais potente, um F 8 da Ford, que transportava até 150 sacas. Com seu espirito engenhoso, somente adquiriu o chassis e juntamente com o Carlino Ferreiro (destacado artesão porangabense), construiram a carroceria que impressionava pelo tamanho e qualidade. Na época, já tinha a maioria dos filhos e, juntamente, com minha mãe preocupavam-se com a educação dos mesmos. Era preciso dar continuidade aos estudos fora, nas cidades que dispunham de escolas secundárias complementares. Eu, o filho mais velho, fui o primeiro a sair. Conclui o primário em 1947 e em 1948 fui para o Internato do Colégio Nossa Senhora do Sagrado Coração de Jesus, em Agudos, SP, onde cursei o 1º. Ano ginasial. Em 1949 já estava estudando em Tatuí, onde conclui o curso ginasial ( 1952 ) e cursei o Curso Científico ( 1953/1955). Nunca me deixou faltar nada, sempre me deu apoio integral e eu somente estudava; era um privilégio.

 

A partir de 1956 começaram as perdas na família Domingues; foi o ano que faleceu o saudoso tio Chiquinho, o irmão mais velho de meu pai. Em 1963 faleceu o patriarca da Família; Nhô Bento Cândido (Bento Manoel Domingues), meu saudoso avô. No ano de 1965 faleceu minha mãe, fato que o abalou profundamente e daí o seu retraimento. A partir daí viveu praticamente isolado, na cidade e na chácara. Levou sempre vida regrada e não era dado a exageros. Esteve sempre cercado pelos filhos e netos. Faleceu no dia 20 de maio de 2000 aos 87 anos de idade e está sepultado mo Cemitério Municipal de Porangaba.

 

Foto: “Horácio M.Domingues”, Óleo de Antonio Miranda. Acervo pessoal.

 

 

Júlio Manoel Domingues

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