“ A História não é apenas o grandioso, o que os livros contam e as obras de arte registram. Toda comunidade tem história, por menor que seja. Todo grupo humano se desenvolve ao longo do tempo, tem seus momentos importantes, suas mudanças mais sentidas. Por isso, hoje, a idéia de História Local ganha força. Tão valioso quanto saber a História do mundo e do Brasil é conhecer a história do bairro em que vivemos; como ele se formou, por que cresceu, quem construiu seus prédios, quem mais se dedicou a ele, quais as atividades do povo do lugar, ontem e hoje. A História Local, é claro, sempre está ligada à História Geral, de sociedades mais amplas, pois entendendo o que está perto posso compreender melhor o mais distante. (Fonte: Brasil Vivo, Chico Alencar e Outros, Editora Vozes, Rio de Janeiro,1997”)
O local onde se formou o povoado foi escolhido pela topografia, tanto para a pousada como sítio urbano em lugar alto e seguro, sem desconsiderar a importância das terras vizinhas, próprias para a lavoura. Com o tempo surgiram variadas versões, algumas até folclóricas, sobre a localização inicial do povoado do Rio Feio. Antônio Manoel de Miranda, tropeiro, filho do capitão Miranda, contou ao pesquisador Onozor Pinto da Silva que ouviu dizer: “ que, antes da capela em louvor a Santo Antônio ser construída, existiu outra, bem mais antiga, uma capelinha feita de tábuas em louvor a São João Baptista, próxima de um rancho no lado esquerdo do rio Feio, no sentido descendente”. Foram ouvidas pessoas idosas, duas dezenas no mínimo, sobre a existência dessa capela, mas nada foi confirmado. Surgiram, unicamente, hipóteses: seria no local onde hoje é o campo de futebol ou no caminho para o bairro das Partes, na atual Vila São Luiz ! Outros consultados “ouviram dizer”, ainda, que a primeira capelinha ficava lá pelos lados da estrada velha de Bofete, próxima à ponte do rio Feio, para o lado dos Piragibu – mas não existem provas!
Pois bem, com base nos estudos sobre o povoamento paulista, é sabido que o movimento para o oeste se processou aos saltos, não como um avanço sistemático e refletiu na urbanização. O ajuntamento inicial de pessoas em moradias ao redor de uma capela levava sempre em conta a posição estratégica do lugar, a aparência retilínea do acampamento, o rocio (clima) e o largo (extensão). É, seguramente, o que ocorreu por aqui. Logo, respeitando os relatos antigos que ilustram e valorizam a pesquisa e até dão uma roupagem folclórica ao estudo, a explicação mais lógica é que a cidade realmente nasceu no “sítio onde se encontra”, num ponto elevado que facilitava a vigilância permanente, sem o perigo das enchentes do rio e riacho (vizinhos), com acesso difícil para quem chegasse e de defesa fácil àqueles que ali morassem.
Citamos como fatos importantes ligados à segurança inicial da população e que podem até ser aceitos para explicar a escolha do local: o surgimento proposital de alguns ranchos vizinhos à região ribeirinha, (nas terras de Silvéria Angélica da Fonseca Bueno, dos portugueses João Boava, Manoel Izidoro Brenhas, Manoel Ignácio), na antiga saída para Bofete; e no terreno defronte ao atual campo de futebol, onde existiu no passado a olaria do João Paes da Silva, já na saída para Tatuí, que também chegavam a acomodar viajantes e tropeiros.
Os “Bellavistenses” nunca deixaram de acolher os viajantes e forasteiros, mesmo os desconhecidos, acomodando-os, por segurança, fora do núcleo central. Era costume da época que os tropeiros, com seus animais, ficassem alojados em telheiros (espaços cobertos) que existiam nos quintais ou ao lado dos pontos de pouso das caravanas, pois as grandes distâncias a percorrer, aliadas à vagarenta (vagarosa) locomoção a pé ou a cavalo, tornavam necessários os pernoites em certos pontos do caminho. Por exemplo, por aqui, no início do século passado, foi tradicional a atenção e hospitalidade dispensada pelo tenente Antônio Paulino Telles (Tellinho) aos tropeiros e também, mais tarde, pelo seu genro Jango Mendes. Tinham em mente que o bom acolhimento, ao invés de ser virtude, era a obrigação social necessária à sobrevivência, pois recebendo os tropeiros amigos no próprio povoado, ficava claro o alto grau de confiança que os anfitriões dispensavam aos seus conhecidos. Sabemos, também, com base nas notícias publicadas em jornais tatuienses e nos escritos do advogado Laurindo Minhoto, que transcrevemos abaixo: “ O Sertãozinho de Santo Antônio, como era conhecido o bairro do Rio Feio, era ponto de sesta ou pouso de tropeiros e viajantes. O povoado situava-se, portanto, à margem da estrada que dava entrada para a serra de Utucatú ou Botucatú, com direção para os sertões do Rio Novo e Tibagi. Era por ali que se fazia todo o comercio dos sertões (em 1.926), atravessados pelo ramal de Salto Grande e tronco da Sorocabana, sertões tributários de Botucatu, donde se vinha em procura de Sorocaba, fazendo-se o transporte em tropas e carros de boi, em quantidade considerável. As marchas das tropas e dos carros eram de três léguas por dia e, assim, os pontos forçados de pousos eram: a Serra do Galdino, Samambaia, Rio Feio, Aleluia, Tatuí, Bacaetava. Rio Feio era, portanto, um ponto obrigatório de pernoite dos viandantes ( viajantes) e ali se criaram vendas, ranchos, quartos ou estalagens e não demorou que se tivessem a idéia de se erigir a “capelinha”, o que se fez, inteirada com paliçada de folhas e panos de estopa. Terras produtivas, povo trabalhador, o pequeno núcleo não poderia deixar de crescer e daí as necessidades de uma povoação nascente. Seis léguas de distancias de Tatuí, estradas feitas de “mão comum”, uma vez por ano, no mês de abril, sem conservação, era difícil levar para ser sepultado em Tatuí qualquer cadáver, daí a provisão de 24 de março de 1874, que criou o primeiro cemitério ”.
Foto: “Largo da Matriz de Porangaba em Construção, Anos 30″, acervo pessoal.
Júlio Manoel Domingues
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