“Recordar os fatos históricos passados é como mexer num baú e buscar informações, detalhes, datas e pormenores perdidos no rolar do tempo… Sem passado não existe futuro. Sem memória, não teríamos lembranças de nossa infância, nem de nossa juventude. Nada aprenderíamos, não teríamos identidade. Seríamos uma “não” pessoa”. ( Fonte: “São Paulo Antigo”, Antônio Egydio Martins, Editora Paz e Terra, 2003).
O resgate da memória histórica mexe com o passado. A volta no tempo destaca temas diversos, envolvendo pessoas, fatos, tradições, organizações, instituições e deve ser bem dosado na prudência e na discrição. O momento propício é quando muitas coisas ainda podem ser lembradas e confirmadas pela confrontação de documentos, pois, em caso contrario, tudo será esquecido. Jamais será um trabalho individual e exigem buscas constantes que possibilitam reunir dados junto àquele que conviveram com os moradores antigos, principalmente os parentes e amigos. As informações verbais se tornam, então, importantes. Hoje, com o progresso das comunicações e da informática, principalmente, as condições para pesquisar se tornaram mais favoráveis, embora, muitas vezes, as buscas também sejam prejudicadas pelo desinteresse cultural da sociedade brasileira, além da burocracia de órgãos governamentais. As dificuldades são medidas pela destruição de documentos, a desorganização de arquivos públicos e outras barreiras impostas aos pesquisadores. Como poderemos passar às gerações futuras como viviam os nossos antepassados se existe tanto desinteresse! Daí, a teimosia e a obstinação em tentar resgatar a história antiga de Porangaba. O povoado do Rio Feio formou-se em meados do século 19 ( não confundir com o bairro ), mas pouco cresceu no primeiro cem anos de vida. Somente após o 2º conflito mundial, quando teve início o grande desenvolvimento sócio cultural e tecnológico que envolveu a humanidade (e que se estende até hoje), é que o município começou, morosamente, a progredir.
A partir daí, as transformações foram marcantes a nível mundial. Não poderemos esquecer, segundo relatórios técnico-científicos amplamente divulgados, que no século 20 o homem rompeu o átomo, dividiu os genes e fez o clone de uma ovelha, inventou o plástico, o radar, o chip de silício, aviões, foguetes, satélites, aparelhos de rádio e de telefonia celular, televisões, computadores, etc. – e até chegou a Lua – ocorrências que comprovam a extraordinária capacidade da mente humana. Muitos perguntarão: – “O que aconteceu na pequena Porangaba? Passamos, então, a registrar temas e fatos diversos da história local, buscar “alfarrábios” em arquivos empoeirados e desorganizados de órgão públicos, a vencer a burocracia das cúrias e capelas, ouvir pessoas e juntar tudo que fosse possível para reconstituir o passado. Nada foi estático por aqui, houve sempre ação e dinamismo, mas o crescimento sempre dependeu de investimentos diversos e de outras iniciativas particulares que, infelizmente, foram insuficientes nos cem anos iniciais.
A pesquisa histórica nos permitiu, ao longo desses anos, saber parte do que ocorreu no passado com a nossa gente, identificar os usos, costumes, avanços, retrocessos, as tradições, o cotidiano, enfim conhecer a trajetória formadora da sociedade local. Serviu ainda para mostrar que o “tempo antigo” não foi “uma história descontinua de conhecimentos e anos de ignorância. Houve muita bravura na luta dos pioneiros – os nossos eternos personagens. Se fosse possível voltar no tempo, a “fotografia” seria incomparável pela singeleza das coisas, simplicidade dos ranchos, das cabanas de taipa e sapé ao lado da trilha no surgimento do “sítio urbano”. Pouca gente e precários caminhos mostrariam o desconforto no ponto de pouco, muito antes de se tornar povoado, a par de uma rotina quase angustiante, mas, em compensação, a paisagem campestre se apresentaria indescritível pela beleza pictórica da “bela vista”, algo místico a sinalizar o surgimento futuro de uma cidade. O povoado nasceu num dos caminhos alternativos para o oeste paulista, na busca e conquista do “sertão”, num sítio já subordinado e dependente de Tatuí, o que em nada mudou o seu destino. Muitas foram as barreiras para o seu desenvolvimento, começando pelas seguintes situações: a) geográfica: o isolamento foi quase que total, até os primeiros anos do século 20 e somente com a abertura da Rodovia Castelo Branco, quando já era centenária, Porangaba deixou de ser “cidade fim de estrada”; b) política: os primeiros governantes daqui dependiam dos políticos tatuienses, foram subservientes e não tiveram nenhum poder de influência; c) econômica: a economia foi ( e ainda é ) predominantemente primária, baseada na agricultura e pecuária, sem industrias, com um comércio tímido e sem investimentos.
Com tantos fatores adversos e o descaso da cidade-mãe – Tatuí ( a quem estivemos subordinados até o ano de 1927), o povoado foi crescendo lentamente e somente chegou a mudar de nome: de Rio Feio para Bela Vista de Tatuí. Em compensação formou-se aqui uma gente trabalhadora, agricultores descendentes da estirpe cabocla paulista e de imigrantes. No início vieram poucas famílias, espalhadas, vivendo em condições inóspitas, desfavoráveis, com desconforto, mas trabalhando a terra à própria subsistência. A luta foi árdua e, com o aumento da população, cresceram as relações de comércio. As agruras do dia a dia foram sendo vencidas e o povoado traçou o seu rumo. Tornou-se realidade o sonho dos pioneiros; formou-se a vila com a capela em patrimônio doado que passou a polarizar vendas e casas. Decorrido tanto tempo, o município não atingiu ainda o desenvolvimento sonhado, mas não podemos negar que o progresso chegou por aqui e hoje não vivemos mais isolados.
O objetivo principal dessa busca é recompor a história, a formação da sociedade local nas suas diversas fases, desde os tempos mais remotos e identificar os motivos de sua formação. Trata-se de árduo e demorado trabalho de investigação com uma amostragem razoável de documentos e entrevistas. A curiosidade é grande, o conteúdo rico e complexo. É óbvio também que os assuntos e fatos abordados às vezes se apresentam distorcidos em função dos valores estimativos e subjetivos das pessoas consultadas, que encorajadas procuram valorizar as informações, chegam a alterar os fatos verídicos e confirmam os fantasiosos. Tudo acontece de forma natural, sem má fé, faz parte da rica imaginação popular, com base nos causos ouvidos, daí a necessidade da triagem. Hoje, o site: www.porangabasuahistoria.com já atinge 75.000 visitas: é um acontecimento gratificante que justifica plenamente a iniciativa.
Foto: “What?”by Véronique Debord-Lazaro at https://www.flickr.com/photos/debord/4932655275
Júlio Manoel Domingues
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