Os primeiros moradores do bairro do Rio Feio – os pioneiros – eram todos católicos, mas, em se tratando de saúde, não se furtavam às práticas condenadas pela Igreja como as crendices e benzeduras, utilizando, então sem nenhum temor, os serviços dos “curandeiros” e “benzedeiros” ( homens e mulheres ), espalhados pela região.
“Benzia-se “erisipela” com a aliança, fazendo-se círculos por 3 vezes ao redor do local atingido. Para benzer “sapinho”, jogava-se “água no cocho dos porcos, depois pegavam-se 3 paninhos cortados em quadrados, que eram molhados nessa água e passados na boca do doente pela manhã, durantes 3 dias seguidos. Contra os vermes, colocava-se um copo d`água com chumbinhos de espingarda sobre a cabeça do doente (normalmente crianças) e, quando a água começava a criar bolhas (segundo eles, a ferver), os vermes desciam. As benzeduras se tornavam mais complexas quanto mais graves eram os males que se pretendiam curar.” (Fonte: Luiz Felipe de Alecastro em “História da Vida Privada no Brasil”, volume 2, Cia Das Letras, 1997).
Remédios caseiros usados nos sítios:
Para câimbra: Dissolver um punhado de sal de gado em água morna e tomar banho, ou beber meio copo da mistura antes de dormir;
Para bronquite: Comprar um coco da Bahia, tirar a água, encher de mel e enterrar durante 15 dias; desenterrar e tomar um cálice, três vezes ao dia;
Para dor de barriga: Chá de quina com marcelinha; chá de folha de pitanga;
Para reumatismo: Misturar raízes de guaimbê, mentrus e espirradeira branca num litro de álcool e passar no lugar que dói; misturar flor de cravo amarelo em um litro de álcool, curtir por alguns dias e passar na parte dolorida;
Para impigem: Cipó de sete quinas, cozinhar e passar a água na impigem;
Para feridas na cabeça de criança: Cozinhar um punhado de flor de cambará do campo e com a água lavar a cabeça da criança;
Para hemorróidas: Usar 3 pimentas comari para engolir em jejum, uma vez ao dia.
Vivendo isolado, distante dos centros maiores, como a cidade e mesmo o pequeno povoado, os sitiantes, sem qualquer tipo de assistência médica, quando ficavam doentes, apelavam para as benzeduras, curandeiros e orações – as únicas coisas que podiam se apegar livremente naquelas lonjuras.
Também era comum existir imagens de santos de devoção ou, ainda, de pequenos oratórios domésticos em quase todas as casas, com velas e flores, independente da condição econômica desses moradores. Ali eles faziam as orações e pediam proteção. Os pedidos tinham os mais variados fins: orações para conter tempestades, para partos laboriosos, para arranjar marido, para evitar pragas nas plantações, contra o cobreiro, a bicheira, o mau-olhado, as feridas, as mordeduras de cobra, etc. Existia a crença de que se feitas com fervor, as orações produziam efeitos surpreendentes, protegendo os homens dos perigos da vida e os animais e plantações das mazelas da natureza. Hoje, muitos se lembram ainda da oração a São Bento pedindo proteção contra as “cobras e os bichos peçonhentos”.
Ficou famosa, também, a trilogia de remédios usados pelo povo, nas pequenas cidades, sítios e fazendas – óleo de fígado de bacalhau para fortificar, sal amargo para o estômago e óleo de rícino como purgante, práticas comuns até a metade do século anterior. Fora disso, usavam muita medicina vegetal, além de curandeiros. Os imigrantes que vieram para trabalhar nas fazendas de café, principalmente os italianos, também aderiram a esse tipo de tratamento, pois passaram pelas mesmas dificuldades e não dispunham de recursos para procurar médico. Era praticamente impossível, pois eram poucos esses profissionais e o preço da consulta bastante elevado.
No ano de 1906, vinte anos após o ingresso maciço de imigrantes no território paulista, tínhamos, por exemplo, 10 médicos para uma população de 52 mil habitantes na região de Ribeirão Preto, 6 para 55 mil habitantes na região de São Carlos do Pinhal e assim por diante. Como agravante, o preço da consulta era então tão abusivo e equivalia ao que se ganhava em um ano com a colheita. Imaginem o que acontecia na nossa região! Diante disso, as populações rurais enfrentavam a adversidade das doenças com receitas caseiras, com folhas e raízes encontradas nas matas, com excretos de animais, misturados e, ainda, com simpatias e orações. Havia ainda muita ignorância. O “mal de 7 dias”, por exemplo, era uma infecção umbelical (tétano) comum na época e que provocava o maior número de mortes entre os recém nascidos por falta de antissépticos e higiene. Era um flagelo; pois no lugar infectado colocavam “teia de aranha” ou “pó de café”. Felizmente, hoje, essa prática não existe mais.
As ervas utilizadas para o tratamento de doenças, recomendadas pela medicina popular, eram encontradas espalhadas pelo mato e tinham qualidades terapêuticas que vinham de ensinamentos antigos. As plantas medicinais (todo mundo tinha em volta da casa): marcelinha, losna, carqueja, etc. O tratamento era muitas vezes na base de chá ( com vinho ou, ainda, com aguardente), quando eram preparadas as garrafadas e mezinhas de folhas, raízes e caules dos vegetais. Também era costume acatar o dito popular que a plena eficácia das ervas e raízes dependia sobretudo das fases da lua.
Os curandeiros, raízeiros e benzedeiros sempre foram pessoas de sabedoria ancestral, figuras muito requisitadas. Não possuíam títulos e nem conhecimentos médicos, mas sabiam das propriedades das ervas e das raízes e, ainda, tinham um vasto repertório de orações.
Eis alguns nomes importantes: Firmino Palmeira, Virgílio Trindade, Chicuta, Nnandica, Quilo Italiano (Achiles Chierici), João do Reis, Serafim Alvarenga, Mantino (Serrinha), Antônio Zobé (bairros dos Mirandas), Gertrudes Domingues, Maria de Arruda, Marica Carmo, Marianina, Virgínia, Porcina, Zé Luiz, Antônio Luiz, Tirda, Nhô Francelino, João Luzia, Dita Cubas, Dona Zulmira, Luiz Moura, Chico Luzia, Melico Luzia, Carlino Fidelis, Avelininho, Toninho Curador, Tiburcinho, Roquinho Mariano, Dona Cecília, Felix, Juca Paes, João Faria e outros.
Alguns contadores de “causos” comentavam, por terem ouvido dizer, que até os anos 1860/1870 ainda viviam índios por aqui. Um deles, chamado Baltazar, morava numa choça, atrás da capela. Era o curandeiro com suas ervas, cobras, amuletos e poções mágicas. Vale como registro, embora não exista prova documental.
Foto: “Magic” de Linus Bohman em https://www.flickr.com/photos/bohman/174718774
Júlio Manoel Domingues
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