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22 de junho de 2013 - Os Pirulitos que Minha Avó Fazia

Já dizia um certo autor que “somente os poetas e as crianças são inteligentes o bastante para compreender a importância dos pirulitos e das avós em nossas vidas”.

 

 

Gostava  de conversar com o Antônio Miranda, velho tropeiro, filho do capitão Miranda. Homem atencioso, era encontrado às tardes no jardim da praça da matriz, onde ia bater papo com os amigos e fumar o seu inseparável “cigarro de palha”. Já estava aposentado e, pela sua experiência de vida e prodigiosa memória, esclareceu muitas dúvidas sobre a história de Porangaba que pairavam na minha  cabeça. Foram conversas proveitosas.  Sempre quis entender as coisas antigas e eu lhe fazia muitas perguntas  sobre os usos, os  costumes, como era o povoado, os caminhos e até indagava sobre os meus ascendentes. Pacientemente, ele me atendia e contava o que sabia. Numa dessas ocasiões, disse-me:     “ – quando minha irmã Arminda recebia amigas para brincar lá na chácara, sempre aparecia uma menina robusta, corada, muito alegre e expansiva que se destacava das demais nas brincadeiras. Era a Clementina, a italianinha, que alguns anos depois seria  a esposa do Bento, a sua avó”.

 

 

Pois bem, a minha “nona” era italiana de Nápoles e chegou na  Bela Vista em 1901; tinha 13 anos de idade.  Seu pai –  Luiz Camerlingo,  que era mestre-de-obras e veio contratado para construir as torres da Igreja Matriz. Aqui, ela conheceu o futuro marido (meu avô Bento) e, como naquela época os italianos relutavam em casar seus filhos com brasileiros, precisaram da ajuda do padre para obter a autorização. Conseguiram, casaram-se e formaram uma grande e tradicional família. Mulher decidida, dedicou-se inteiramente ao trabalho e dava sustentação ao esposo em todas as tarefas.

 

 

Meu avô, comerciante, homem esclarecido, apoiou sempre as decisões da mulher. Esta, não perdia a oportunidade de ganhar um pouquinho mais de dinheiro, como mais tarde dizia aos netos: “- era tudo difícil e o dinheiro curto”. A rigor, não precisaria de ganho extra pela situação financeira do esposo, mas “não fazia mal nenhum”. Trabalhou muito,  na casa, no armazém, no açougue, no sítio e, para completar, gostava de preparar doces e salgados, quitutes, para vender por ocasião das tradicionais festas religiosas (São Roque, Santo Antônio e de Bom Jesus, nas Partes) e ainda nas raias (corrida de cavalos), onde montava a sua barraquinha. Os seus doces e salgados eram bastante procurados, mas o que ela gostava mesmo de fazer eram os pirulitos caseiros, em forma de cone, embrulhados em papel “manteiga”, que, arrumados num tabuleiro, eram vendidos na cidade. O capricho durou muitos anos e nos finais de semana e dias festivos sempre aparecia o vendedor de pirulito. Eram meninos, os próprios netos ou outros rapazes da rua de “cima “, aos quais pagava comissão. Todos saiam alegres com os seus tabuleiros cheios. Ela, à distância, controlava  tudo. Ficava radiante e seus olhos azuis brilhavam de alegria. Vendia rapidamente e quando havia encalhe, o que raramente ocorria, distribuía para os netos e outras crianças. O lucro talvez nem compensasse, mas era sua marca registrada, um produto saboroso e barato. Tudo o que produzia, vendia, principalmente nas ruas e no campo de futebol.

 

 

Conversando, hoje, com alguns sisudos senhores porangabenses  na faixa de setenta anos para cima  (eram os “meninos da rua de cima” e já são poucos), quase todos contam que foram vendedores de pirulito da dona Clementina. Falam com saudades daquele tempo. O Toninho Pinto foi um deles. A propósito, existe um fato curioso que faz parte da historia da família: meu saudoso primo Clóvis, um dos seus melhores vendedores, era o mais requisitado. Certa ocasião houve importante jogo de futebol na cidade e ela chamou o neto para vender pirulitos lá no campo. Para sua surpresa, em poucos minutos  já estava de volta  com o tabuleiro vazio; havia  vendido tudo no caminho. Ficou intrigada e perguntou: - por que você me desobedeceu? ; era prá vender lá no campo !. Como castigo, preparou novo tabuleiro e, sem nada entender, lá se foi o Clóvis, novamente, sem discutir, atendendo a ordem da “vó Clementina”. Não conseguiu ver o jogo, mas  cumpriu a missão. A história dos pirulitos sempre causou muita curiosidade. Mais tarde, os netos já adultos queriam saber como nasceu a idéia de vender pirulitos; era uma receita antiga, segredo de família, alguém aprendeu?. Se foi explicado, não lembram da resposta. Nunca soube de ninguém da minha família que fizesse daqueles pirulitos. Como curiosidade, uma receita de pirulito, que certamente não é a mesma.  Pirulito: ½ kg de açúcar, ½ garrafa de água, caldo de 1 limão. Ponha numa panela, leve ao fogo e dê o ponto de bala. Faça canudinhos  de papel, ponha numa tábua redonda toda furada e enfie os canudinhos, despejando dentro deles a calda bem grossa. No final, colocar os palitos e esperar a calda endurecer.

 

Júlio Manoel Domingues

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