Há mais de cem anos foram criadas as cadeiras de primeiras letras no povoado do Rio Feio – as escolas: masculina e feminina – que naquele tempo funcionavam separadas. Foram fatos importantes, apesar das dificuldades que tiveram que enfrentar. Os professores foram recebidos com entusiasmo, pois, então, já era possível alfabetizar as nossas crianças, ensinar a ler e escrever ( que na época era para poucos) – prepará-las para a vida, mas o funcionamento foi demorado em função da burocracia e dos inúmeros problemas a vencer. Imaginemos, por exemplo, a estrutura existente há mais de cem anos atrás e que eram precaríssimas. Faltava tudo; não existiam imóveis adequados, energia elétrica, saneamento básico; a pobreza, ignorância e desconforto predominavam na maioria das famílias. Some-se a tudo isso, além das doenças endêmicas e dos péssimos caminhos, a falta de comunicação, a resistência dos pais que preferiam ver os filhos trabalhando na lavoura, não se importando que fossem alfabetizados. Some-se a tudo isso, como fato positivo, a dedicação e o sacrifício dos professores. A evolução foi realmente lenta e passados dez anos da criação da 1ª escola, o jornal “O Progresso de Tatuhy”, na edição do dia 11/01/1885, já publicava matéria alusiva criticando a situação do ensino publico primário no Rio Feio. Vejam o absurdo que enfrentaram esses dedicados professores:
“O estado em que se encontram as escolas públicas da província é mais que constrangedor. Ainda, há poucos dias, que estando em Santo Antônio do Rio Feio, tivemos a ocasião de visitar a escola pública, regida pelo professor Rodolfo Cassimiro da Rocha (já era o segundo mestre), moço que faz honra ao professorado por suas qualidades pessoais e dedicação ao ensino. Quatro tábuas colocadas sobre caixões de querozene constituem a mobília escolar!. Uma única mesa, que ali existe, foi comprada pelo professor!. Dá vontade de rir ao ver aqueles meninos encarapitados nas tais tábuas – em posição incômoda, que bastante tédio lhes deve causar”. O crítico se apresentava com o pseudônimo de Paulista.
A Escola Masculina- Em “Apontamentos” de Manuel Eufrásio de Azevedo Marques, 1879, consta a criação da Cadeira Masculina de Primeiras Letras no bairro do Rio Feio, em Tatuí, no ano de 1875. Criada a cadeira masculina em 1875, demorou muito tempo para ser instalada, cerca de 3 (três) anos, apesar da tentativa do Inspetor do Distrito de Tatuí, sr. Porfírio José de Souza Negrão, em 16 de julho de 1877, quando indicou o professor Antônio Carlos de Freitas para o Rio Feio, mas a transferência não se concretizou. A escola somente funcionou, em condições impróprias, sem o mobiliário necessário e outros materiais didáticos, com a chegada do primeiro professor: o sacerdote católico Francisco José de Miranda, transferido de Tatuí, onde regia a 2a. cadeira masculina desde 18/07/1875. Tomou posse em 01/05/1878; a matrícula foi aberta no dia 14/05/1878 e começou o trabalho escolar com 24 alunos. As dificuldades foram enormes e o número de alunos foi aumentando aos poucos, o que pode ser comprovado através dos relatórios enviados pelo professor. Deixava claro que as falhas para uma maior adesão não se restringiam somente à falta de um local adequado às aulas, mas principalmente pela situação econômica da maioria das famílias, sem recursos, e das dificuldades de comunicação. Em maio de 1879 eram 31 alunos e, em novembro do mesmo ano, o grupo já atingia 40 matriculados. O padre Francisco permaneceu no Rio Feio até 30/01/1880, quando se removeu para a Freguesia do Turvo. A cadeira ficou vaga e em setembro de 1881, decorridos quase dois anos, como nada tinha sido providenciado, “os fazendeiros do populoso bairro do Rio Feio pediram ao sr. Antônio de Oliveira Leite Setubal, Inspetor da Instrução Pública de Tatuí, que a cadeira fosse provida o mais rápido possível”. O tempo passou e a criançada ficou sem as aulas, pois o segundo professor – Rodolfo Cassimiro da Rocha somente começou a trabalhar em 10/11/1883; já fazia quase 4 anos que a escola estava acéfala, sem nenhum professor no Rio Feio.
O Primeiro Professor – Padre Francisco José de Miranda natural de Jacareí, era filho de Marianno de Brito de Miranda e Josefina Maria da Conceição. Foram seus avós paternos: Manoel Correa de Miranda e Joaquina Maria de Jesus; maternos: Emídio Duarte e Virgínia do Nascimento. Exerceu o sacerdócio em Lorena e Caçapava, a partir de 1864 e, em 1867 já estava em Botucatu. Foi vigário encomendado da Paróquia do Braz (São Paulo) em 1875; trabalhou em Tatuí (1879-1880). O Padre Francisco permaneceu na Escola do Rio Feio ate 30/01/1880, quando se removeu para a Freguesia do Turvo. Trabalhou depois em Bofete de 1884 a 1893, onde foi também Presidente do Conselho de Instrução.
A Escola Feminina – A Cadeira Feminina de Primeiras Letras, no bairro do Rio Feio (Freguesia da Capela de Santo Antônio do Rio Feio), foi criada através do Decreto nº 82, de 17/06/1881 e somente foi instalada em 01/08/1885 quando assumiu a professora América Kuntz Cardoso (Foto), que dirigiu a escola por dez anos.
A primeira professora – América Kuntz Cardoso, natural de Tatuí, filha de João Nicolau Kuntz e Maria da Conceição, foi a primeira professora pública de Porangaba, então Freguesia da Capela de Santo Antônio do Rio Feio, nomeada, conforme noticiou o jornal “O Progresso de Tatuí”, edição nº. 368, de 05/07/1885. Foi casada com o Capitão Francisco da Silva Cardoso e, ao converter-se ao protestantismo, no início do século passado, teve sérios desentendimentos com o padre José Gorga, vigário da paróquia, culminando com uma série de denúncias e um processo administrativo na área da educação. Transferiu-se, em 04/07/1905, a pedido, para a Escola de Torre de Pedra. Posteriormente, mudou-se para Guareí, onde lecionou por muitos anos. Faleceu naquela cidade, em 27/04/1953, com 90 anos de idade.
Sugerimos às atuais autoridades porangabenses que prestem as homenagens devidas a esses ilustres professores – figuras pioneiras pela abnegação, desprendimento e vocação, que muito engrandeceram a história da instrução pública primária de nossa terra. Novas escolas publicas e outros logradouros municipais poderiam receber os seus nomes.
Foto: “Professora América Kuntz Cardoso”, acervo pessoal.
Júlio Manoel Domingues
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