Os santos são mais conhecidos pelo martírio, virtude heróica e milagres. Como resultado destes dons, os fiéis católicos rezam aos santos, os invocam conforme as necessidades e os honram ao celebrar os seus dias festivos.

Antigamente, as pessoas apelavam aos seus santos protetores para se livrar de males diversos. O costume, em menor escala, perdura até hoje. Diziam que o apelo era ditado pela crendice popular, mas ganhava força pelo poder da fé. Afinal, tudo está na “bíblia” e, todos, sem exceção são filhos de Deus e têm o direito de pedir a ajuda dos santos. Eram costumes já enraizados que vinham de muitas gerações. Naquela época, as pessoas vivendo isoladas e sem assistência médica, usavam o recurso da oração.

Dentre os santos mais invocados por aqui, tivemos: São Brás,(foto) o protetor dos males da garganta e São Bento, o protetor das picadas de cobras e de outros bichos. Não me lembro de festas em louvor, mas eram muito requisitados. Hoje, por incrível que possa parecer, pelas mudanças dos usos e costumes, pelo desprezo de tradições que ditavam a conduta religiosa e, principalmente, pela diminuição da fé, esses santos, se não estão totalmente esquecidos, são muito pouco invocados. Lembro-me que na casa de meus avôs paternos, num dos quartos, havia um quadro na parede com a gravura de São Brás, que chamava a atenção pelos detalhes. Ali, certamente, muitos netos ouviram pela primeira vez que deveriam: “tomar cuidado ao comer peixe e frango, para não ficar com espinhos ou pequenos pedaços de ossos enroscados na garganta.” Um conselho providencial. Quando acontecia qualquer problema com a garganta, São Brás era imediatamente chamado; principalmente nos momentos das sufocações, dos catarros, das espinhas de peixe e ossos de galinha que ficavam encravados na “goela”. Bastava alguém se levantar da mesa de refeição com a mão na garganta, pedindo ajuda, que era um pavor. Apelavam para o santo, davam ao engasgado água para beber e o faziam engolir colheradas de farinha de milho para limpar a garganta. Ao mesmo tempo, alguém batia nas costas do sufocado, dando lhe palmadas de baixo para cima, gritando: “São Brás, São Brás, São Brás, acuda fulano ou fulana” ( indicando o nome da pessoa engasgada ). Nos casos mais graves, era preciso benzer a garganta com duas velas abençoadas e seguras, ligeiramente abertas e comprimidas, de encontro à parte afetada, acompanhada de uma oração. Na maioria das vezes funcionava para alegria de todos e davam-se graças ao protetor. Havia muito medo de se engasgar; era pavoroso ver alguém com essa dificuldade.

São Bento era muito invocado, principalmente, na zona rural, para atender pessoas picadas por cobras ou por outros bichos peçonhentos. Daí, que aprendi, desde pequeno, que ao entrar no mato para caçar e no rio para nadar ou pescar, eu deveria orar para o protetor. Era perigoso permanecer na beira do rio sem tomar tal cuidado. Não sei quem me alertou; não me lembro mais se foi minha mãe, minhas avós ou as vizinhas de minha casa ( Leontina do João Rosa ou a Maria do Beraldo), pessoas queridas que eu respeitava e sabia ouvir, pois freqüentava as suas casas e entrava sem bater… Acredito que deu resultado, pois nunca fui atacado. Era uma oração simples: “São Bento, São Bento, São Bento, livre-me das cobras e dos bichos peçonhentos”. Repetia três vezes. Posso dizer que funcionou.

No passado havia muita ignorância por aqui; as condições de saúde e higiene eram precárias. Na desesperança, a solução era apelar aos santos, mas, hoje, o cenário é diferente. Isso se deve ao progresso experimentando pelo município nas últimas décadas, quando passou a contar com estrutura médica e hospitalar suficiente para os primeiros socorros e, principalmente, pelas mudanças comportamentais de seus habitantes. Outros fatores também influíram para que isso acontecesse. O desmatamento agressivo alterou o meio ambiente, o “habitat” natural desses animais modificou-se, mas raramente alguém é mordido por cobra. O povo passou a ser informado sobre os cuidados com a saúde, higiene e alimentação. Quanto aos costumes, principalmente as crianças, não mais invadem matagais para brincar (onde certamente ainda habitam cobras e outros bichos ) e nem nadam ou pescam nos riachos (poluídos e menos piscosos) que passam pela cidade. Atualmente, por mais paradoxal que possa aparecer, comem-se muito mais frangos e peixes (cuidadosamente preparados ) que antes e ninguém fala em engasgamento. É um ou outro caso. O jornalista Carlos Heitor Cony, em crônica recente no jornal “Folha de São Paulo”, a respeito do assunto, escreveu: “parece que os peixes e galinhas de hoje têm menos espinhas e ossos; o fato é que agora pouca gente se engasga na hora das refeições e já são raras as picadas de cobras; e os casos decorrentes vão direto para o “pronto-socorro”. Diante de tantas mudanças, as conclusões ficam a critério de cada um. Sem polemizar, é democrático aceitar e acatar a opção religiosa dos que confiam no poder da fé e nos benzimentos. Respeitar a opinião alheia é uma virtude, mas negar que os “santos protetores”, com o passar do tempo, vão sendo dispensados, não podemos.

Foto: “A benção de São Brás.” Tela de Francesco de Rosa (1607-1656). Século XVII.

Júlio Manoel Domingues