“De repente, sem avisar, como alguém que naturalmente encontra o caminho de volta, ele partiu para sempre. Ficaram somente as lembranças e saudades, mas, certamente, se aqui estivesse, diria:” para sempre é muito tempo, o tempo não para! só a saudade é que faz as coisas pararem no tempo”. (Mário Quintana)
Ele nos deixou; a notícia chegou numa tarde fria de agosto e o impacto foi enorme. Vieram de imediato inúmeras recordações, seguidas por um sentimento de perda e de perplexidade. Sabia que ele estava internado no asilo de Conchas; deduzi que ali ocorrera o óbito e que tivera toda a assistência possível. Foi um colega de infância, um amigo de verdade na sua simplicidade e humildade. Vivia com a avó Geralda; na época, o pai já havia falecido e a mãe não residia mais em Porangaba. Em seguida, voltei no tempo, à saudosa e querida Porangaba de minha infância, que aparentemente pouco nos oferecia, mas que na realidade era onde tínhamos tudo que queríamos. Isso já nos bastava; ainda não éramos atraídos por anseios e sonhos. Éramos crianças, não tínhamos preocupação com o futuro, vivíamos o presente numa grande família, onde todos se conheciam e se protegiam. Achávamos que nada mudaria…! Correr, brincar, praticar as peraltices comuns da idade, brigar na rua com outros garotos, nadar e pescar no rio, além de outras brincadeiras da época, eram as atividades diárias, normais, sem ultrapassar as obrigações impostas pelos nossos pais de freqüentar a escola pública, onde os nossos saudosos professores nos alfabetizaram e nos incutiram deveres e obrigações. Que saudades de nossos divertimentos: pular sela, jogar pião, brincar de barra, soltar papagaio, jogar bolinha de gude, brincar com ioiô, etc., e, para completar, a “pelada” que jogávamos descalços, com bola improvisada, no terreno detrás da igreja matriz ou na frente da capela de São Roque. Éramos um grupo de “guris”, os da “rua de cima”, cuja maior preocupação era brincar…!
Já passaram mais de 65 anos e ainda me lembro que o Toniquinho gostava de organizar brincadeiras no quintal de sua casa. Além do “cirquinho”e do “cineminha”, dirigia as corridas de rua que se estendiam, também, pela estrada velha de Bofete, até o Carmelo, com premiação e tudo. Mas, a maior lembrança é o “cineminha”. Para lá íamos todos, bastava avisar que haveria “espetáculo”. Era tudo improvisado. Na época, o “cinema falado no pavilhão” era o assunto da moda e muitas crianças não perdiam as “matinês”. Influenciadas pela maravilhosa arte, com engenho brincavam, então, de fazer “cineminha” nos quintais de suas casas. Usando caixas de papelão e armações de madeira, montavam as telas revestidas de pano para a exibição de gravuras ( em pedaços de papel ), como as das histórias em quadrinho, recortes de revistas e jornais. O “cineminha” do Toniquinho era o que mais procurado. Com criatividade, encostava a gravura na parte de trás da tela molhada, comentava o assunto e até improvisava efeitos. Todos se sentavam no chão e ele ficava na frente, atrás do “aparelho”, para dirigir a “sessão”. As falhas eram relevadas, pois o que valia mesmo era a alegria daquele mundo mágico. O mais curioso é que se cobrava “entrada”. O espaço, que ficava no quintal de sua casa ( ao lado do atual Centro Cultural “Abílio São Pedro”), era muito simples e o ingresso custava 3 palitos de fósforo. Para lá íamos todos – o Pingo, o Lázaro e o Zé do Beraldo, o Mando do Dito Ruivo, o Quico da Leontina Piragibu, o Carlos da Ambrosina, o Lino da Assunta, o Zé Persiani, o Dir e o Ique do Nhô Pim, o Luiz Preto, o Chico (Bolacha) da Cecília, o Irineu do Toninho Cristovão e muitos outros cujos nomes já não me lembro. Parece-me que o Maé do Juvenal Cardoso também aparecia por lá. Foi, na realidade, um momento encantador de nossa infância, que passou e acabou..! Crescemos, nos tornamos adultos e, inclusive, a maioria já partiu… Muitos saíram muito cedo da “terrinha” para trabalhar e outros para continuar os estudos, mas ele ficou. Parece-me que se casou e ficou viúvo. Sempre trabalhou na lavoura, em pequenos serviços como a limpeza de terrenos e quintais, mas a sua principal atividade era abrir “poços” – foi poceiro, uma profissão valorizada na época, um trabalho duro e perigoso. Com a morte da avó, passou a viver sozinho ou agregado, na casa de alguns amigos, como: o Lazinho do Valêncio, o Vitorino Sapateiro e, finalmente, o Lazaro Miranda, onde morou nos últimos anos e recebeu o apoio necessário. Seus pais: Amantino Ribeiro e Francisca Maria de Jesus; o pai foi serrador de madeira e trabalhou muito tempo com o sr. Antônio Miranda. Toniquinho foi uma figura impar, leal, honesto e desprovido de vaidade. Só nos resta orar por ele e pedir que Deus Pai, na sua infinita bondade, o acolha e o abençoe.
Júlio Manoel Domingues
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